Göttinger Predigten im Internet
ed. by U. Nembach, J. Neukirch, C. Dinkel, I. Karle

Comemoração da Reforma Luterana – 29/31 de Outubro de 2006
Série Trienal B – Romanos 3.19-28 – Horst R. Kuchenbecker
(Sermões atuais: www.predigten.uni-goettingen.de)


Texto das Santas Escrituras: Romanos 3.19-28

Introdução

Com grande alegria, nos reunimos hoje na casa de Deus para celebrar a festa da Reforma Luterana. Somos gratos a Deus pela restauração da verdade e por ter-nos preservado esta verdade.

As bênçãos da Reforma são muitas , tais como a reposição da Bíblia como único fundamento e autoridade na igreja, a distinção entre lei e evangelho, a doutrina da justificação do pecador somente por graça pela fé, a liberdade cristã, a doutrina do ministério e do sacerdócio universal de todos os fiéis, a separação entre igreja e estado. Mas, entre todas estas,

a bênção principal é a doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo.

A doutrina com a qual a igreja permanece de pé ou cai. Ao agradecermos a Deus por esta bênção, queremos, ao mesmo tempo, reafirmar nosso compromisso com esta verdade bíblica. E, por mais que desejamos e buscamos a unidade com outras igrejas cristãs, não podemos abrir mão destas verdades, ou deixar de distinguir o suficiente entre fé e amor.

Vejamos em que consistiu a bênção central da Reforma Luterana, a doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo, que recebemos pela fé.

I - Terror de Consciência

Em primeiro lugar queremos compreender o que é o “terror de consciência”.

Lutero foi um jovem que recebeu educação cristã. Conhecia o Deus triúno, os mandamentos de Deus, Jesus, o Filho de Deus e Salvador. Ele próprio ansiava pela salvação e pela paz com Deus.

Ele foi um menino de bom comportamento. Quando esteve na Universidade estudando jurisprudência, aprofundou-se no conhecimento da lei. Isto o levou a uma melhor compreensão do tema justiça, especialmente da justiça de Deus.

Até aqui, ele aprendera que pelo batismo, Deus derrama o amor de Cristo nos corações, pelo qual recebemos o perdão dos pecados, renascemos e nos tornamos filhos de Deus. E como novas criaturas, devemos viver uma vida santa, pois somos salvos pela fé na graça e pelas obras de amor.

Aqui começaram os problemas . Aqui estava escondido o erro de uma má interpretação da Escritura. A igreja ensinava que somos salvos pela fé e pelas obras. A graça faz o início e pelas boas obras completamos a salvação. A pessoa que chegou à fé, deve trabalhar com este amor de Cristo derramado no coração. E por esta graça infusa viver uma vida santificada e merecer o céu.

Lutero tomou isto muito a sério e lutou para viver uma vida santa, mas não conseguiu. Ele perguntou a igreja: Que mais preciso fazer para ser santo? Esforça-te, ora, jejua, luta. Em vão. Então a igreja lhe disse, se queres ter plena certeza, precisas entra no mosteiro e fazer o voto de pobreza e de castidade. Desesperado, Lutero entrou no mosteiro. Fez tudo o que lhe fora prescrito, mas não conseguiu a perfeição, nem a paz. Pelo contrário, quanto mais lutava, tanto maior foi seu terror de consciência. O prior, o presidente, do mosteiro, lhe disse: - Lutero, você deve amar a Deus e crer no perdão! Lutero respondeu: - Como posso amar a Deus que me julga, que exige, ameaça e condena? Eu o odeio! Não posso amar nem crer num Deus que me condena! - O prior lhe respondeu: Mas você deve amar a Deus! - Eu não posso, respondeu Lutero.

Esta é a questão: Não podemos temer, amar e confiar em Deus que, pela lei, exige perfeição absoluta, ameaça e condena a menor transgressão. Lutero estava certo. A visão que ele tinha de Deus estava correta. Ele se esforçava por cumprir a lei. E quem está debaixo da lei, está condenado. Pois a lei provoca a ira e mata. Lutero não conhecia a misericórdia de Deus. E achava que Deus só lhe será misericordioso, quando ele cumprisse a lei. Daí a sua angustiada pergunta: Como conseguirei um Deus misericordioso?

O prior do mosteiro, vendo sua angústia e como se martirizava, recomendou a Lutero que fosse estudar na universidade. Tentou mantê-lo ocupado. Na Universidade Lutero, já padre, encontrou a Bíblia e passou a lê-la avidamente. Nos primeiros estudos, o seu terror de consciência aumentou. Palavras como estas: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz, para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante ele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (v.19).

Hoje isto nos parece um tema estranho. “Terror de consciência!” Isto porque não conhecemos mais a lei de Deus, o santo e justo Deus, o poder da ira de Deus. Fala-se levianamente de Deus. Deus é amor, como se ele não castigasse ninguém, antes tivesse a obrigação de perdoar tudo. Por isso não se compreende a verdadeira misericórdia de Deus.

Nossa razão, ao ouvir a lei de Deus que condena todos, protesta e afirma: Deus não pode fazer isto! Ele não pode condenar as pessoas que se esforçam por levar uma vida digna, que procuram cumprir com seus deveres familiares, sociais e na igreja, e igualá-los aos pecadores marginais, com bandidos, meretrizes e vagabundos. Isto seria injusto. Isto parece muito plausível à nossa razão. Mas o que Deus diz a isto? Ele afirma: “Não há justo, nem sequer um”. Todos são culpados diante de Deus, e pelas obras da lei não há salvação, para ninguém.

Proteste o homem como quiser, ele está debaixo da lei que o condena. Só em Cristo há salvação.

II - “Mas, agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus ... sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus ... para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”.

“Justificado”, isto é, declarado justo, declarado sem pecado. E isto não por justiça própria, mas por justiça alheia. Não por nosso merecimento, porque nós nos arrependemos, porque cremos, porque renascemos, porque temos o propósito de corrigir a nossa vida, porque mudamos de vida. Não, nada disto. Simplesmente porque Cristo, o eterno Filho de Deus, o “Cordeiro de Deus,” veio ao mundo, humilhou-se, nascendo da virgem Maria, tornou-se nosso irmão na carne, cumpriu a lei de Deus perfeitamente em nosso lugar, pagou nossa culpa e nos conquistou completo e suficiente perdão, a salvação. Agora a lei não pode requerer mais nada daquele que está em Cristo pela fé. Cristo salvou a humanidade. A Bíblia afirma:

“Deus amou o mundo e deu seu Filho unigênito para que to que nele crê não pereça” (João 3.16). E: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” 2.Coríntios (5.19). Reconciliar é conciliar as contas. Ele conciliou nossas contas e “nos confiou a palavra da reconciliação. Deixai vos reconciliar com Deus”. E toda pessoa que reconhece seus pecados e confia na graça de Cristo, nesta graça alheia, tem perdão, vida e eterna salvação.

Quando Lutero descobriu esta verdade e o seu significado, ele ficou radiante. O evangelho não anula a lei. Mas Lutero reconheceu o amor de Deus. O amor incondicional. O amor do qual ele ouvira falar, mas que lhe fora apresentado erradamente, condicionalmente. Agora Lutero reconheceu o amor incondicional. Somos salvos, inteiramente, do começo ao fim,somente pela graça. Deus fez tudo. Nada, nada mais precisa ser feito por nós. É um presente de Deus. Somos justificados unicamente pela fé na graça de Cristo.

A fé, em si, não justifica, a fé em si não nos torna dignos diante de Deus, a fé não nos torna merecedores da graça, mas a fé se apega, à graça de Cristo, isto é, a sua justificação. A fé nos justifica, nos dá o perdão, não pelo que ela é, mas ao que se apega, à graça. A fé confia, mesmo que tudo na volta pareça destoar com o que a palavra de Deus afirma. A fé confia na palavra, como Abraão, que creu e isto lhe foi imputado como justiça.

E a isto mais duas observações. A fé – não é simples conhecimento! Por vezes as pessoas pensam: Jesus salvou todos. Que boa notícia. Eu não o sabia, agora que ouvi o evangelho, eu o sei. Quem bom! e cada um continua em seus pecados. Não! Lutero afirmou, depois que ele reconheceu a graça, que ele se tornou bem outra pessoa. A fé liberta da morte para a vida, da escravidão de Satanás para a família de Deus. A fé nos faz renascer. Somos novas criaturas.

A fé é vida que Deus dá a uma pessoa. E como vida, precisa ser alimentada diariamente. Muitos que se tornaram cristãos, e jubilaram na graça, de repente se distanciam, novamente, dos meios da graça, da palavra e dos sacramentos, dos cultos, da comunhão com os irmãos, do trabalho da congregação, dizendo: Somos salvos por graça sem as obras da lei. A estes Lutero advertiu e disse:

A fé sem as obras é morta. É verdade que somos salvos pela fé, sem as obras da lei; mas a fé necessariamente produz boas obras, porque a fé sem obras é morta.

É verdade que somos salvos unicamente pelo que Cristo fez por nós, não pelo que eu faço por Cristo. É verdade que somos salvos pelo que Cristo fez “por nós” na cruz e não pelo que Cristo faz “em nós” pelo seu Espírito Santo. Somos salvos unicamente pela graça de Cristo e não por graça e obras, ou fé e amor. Isto é, na hora do consolo, só devo olhar no Cristo fora de mim, para a graça alheia, e não no Cristo em mim. Somos salvos unicamente por graça pela fé e não por fé e amor.

Precisamos distinguir isto claramente, em caso contrário não teremos paz, nem certeza do perdão e da vida eterna. Esta diferença parece tão pequena e tão diminuta que muitos julgam: Não vale a pena discutir ou brigar por isso. Mas esta diferença é como um carril de desvio dos trilhos de trem. A diferença inicial é bem pequena, mas, mudado o carril, os trilhos levam a direções e a lugares diferentes. Por isso, na doutrina da justificação pela graça, não podemos permitir nenhum desvio. É a doutrina pela qual a igreja permanece de pé ou cai. Somos salvos unicamente por graça. Na justificação não entra o amor. Mas por outro, a fé produz frutos do amor. Somos salvos somente por graça pela fé, sem as obras da lei. Mas a fé necessariamente produz boas obras. Isto não é um simples trocadilho, mas uma verdade que precisa ser mantida. Quem erra nisto, perde a paz e o consolo.

Esta é a consolação da Bíblia. Esta consolação permanece em todos os momentos de nossa vida, até o último passo, na morte, diante do juízo de Deus. A graça de Cristo é o manto da “justiça de Cristo” pelo qual subsistiremos diante do tribunal de Deus.

Assim Lutero, como todos os cristãos, se consolaram e se consolam. E, ao mesmo tempo, zelam com todas as forças de sua alma por vida santificada, não para obterem a justificação, mas por terem sido consolados com a graça.

Esta é a bênção da Reforma Luterana, o presente que Deus nos deu e preservou até os nossos dias. Por esta bênção agradecemos a Deus e o louvamos. Para conservá-la queremos permanecer apegados à palavra de Deus, a Bíblia, e nossas Confissões. É um dever de todos, não só dos pastores, mas de todos os membros, ler e reler as Confissões, para que ninguém nos roube este tesouro. E ao mesmo tempo confessar esta verdade destemida e corajosamente diante de quem quer que seja, como o fizeram nossos pais. Amém.

Horst R. Kuchenbecker
São Leopoldo – RS – Brasil
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
horstrk@cpovo.net
www.ielb.org.br


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