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Santos Sereis

Disse o SENHOR a Moisés: Fala a toda a congregação dos filhos de Israel e dize-lhes: Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo. Não farás injustiça no juízo, nem favorecendo o pobre, nem comprazendo ao grande; com justiça julgarás o teu próximo. Não andarás como mexeriqueiro entre o teu povo; não atentarás contra a vida do teu próximo. Eu sou o SENHOR. Não aborrecerás teu irmão no teu íntimo; mas repreenderás o teu próximo e, por causa dele, não levarás sobre ti pecado. Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR. [Levítico 19:1-2, 15-18]

“Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo.”

Uau! Que mandamento! E você achava que ser santo era privilégio de poucos escolhidos, capazes de acumular boas obras em tal quantidade que lhes sobraria ainda muito para compartilhar com os menos afortunados pecadores! Pois sim: aqui está o claro desígnio de Deus para que todo o seu povo, sem exceção, seja santo. Afinal, Deus é santo e quer para si um povo santo que reflita constantemente a sua santidade perfeita.

Mas há um pequeno retoque a ser feito nessa reflexão inicial. Tecnicamente falando, Deus não está dando um mandamento. Ele não fala no imperativo. Ele não diz “Sede santos,” mas “Santos sereis,” “vocês serão santos.”

De alguma forma, acabamos facilmente nos perdendo na tradução. Ñada que surpreenda. Mesmo os Hebreus, que não precisavam de tradução alguma, tiveram dificuldades em entender a simples mensagem de Deus, e transformaram sua afirmação em requisito, acreditando que a performance de certos ritos externos lhes garantiria a santidade necessária para merecer a posição de “povo de Deus.”

Mas Deus não fala a “candidatos a filhos de Deus.” Desde o princípio ele ordena a Moisés que fale a “toda a congregação dos filhos de Israel,” a quem ele escolhera para ser o seu povo. Deus fala a pessoas que nada têm de mérito próprio,a não ser o fato de que Deus em sua graça lhes concedeu o seu favor. Por isso, o capítulo 19 de Levítico não fala a pecadores rebeldes, mas a pecadores reconciliados com o Santo Deus.

“Santos sereis” nada tem a ver com “sejam santos.” Ao invés de mandamento, é promessa de que Deus santifica o seu povo para que viva de acordo com a sua santa vontade. Por isso, o que segue descreve as boas obras que Deus opera em nós por meio do Esírito Santo.

É assim que confessamos nossa fé: “Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com os seus dons, santificou e preservou na fé verdadeira.”

O povo de Deus somos nós que colocamos nossa confiança em Cristo Jesus, pois fomos comprados com o santo e precioso sangue e sua inocente paixão e morte para lhe pertencer e viver em submissão a ele em seu reino.

Eis porque o cristão ouve as palavras de Levítico não como um catálogo de leis, mas como um guia para a vida como filho de Deus. Os capítulos 1-15 deste livro descrevem todo o sistema sacrificial do Antigo Testamento, em que o derramamento de sangue e a queima de ofertas trazia paz entre Deus e seu povo. O capítulo 16 é o ponto alto de todo este sistema, apontando para o dia da expiação, quando um cabrito inocente era sacrificado pelo pecado de todo o povo.

João Batista nos mostra como Levítivo na verdade pre-figura Cristo, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E São Paulo explica que todas essas leis eram sombra da realidade que já veio em Cristo.

Portanto, nós vivemos guiados pela promessa divina, segundo a qual nós pecadores indignos somos santificados pelo sacrifício de Cristo para andarmos nas boas obras preparadas de antemão para o povo de Deus.

Por isso o cristão é chamado a viver a sua vocação no mundo testemunhando a grandeza da misericórdia divina. Vivemos, e em nosso viver lutamos por justiça que não discrimina em favor do pobre, e muito menos em favor do rico.

Em nosso viver rejeitamos o papel de fofqueiros e mensageiros de calúnias e comentários maldosos que destroem o bom nome de alguém, e nos posicionamos em sua defesa, especialmente em protegendo a sua vida. O cristão sempre coloca-se ao lado da vida e contra aqueles que a querem destruir, seja por ser “inesperada,” “inconveniente,” “incômoda,” “inválida,” “inútil,” ou “indefesa.” O cristão protege a vida mesmo antes do nascimento, e até o último suspiro antes da morte, pois Deus é o Senhor e doador da vida, e nós seus servos respeitamos a santidade da vida criada pelo Deus santo.

O cristão não provoca a ira ou a mágoa do outro, mas também não se omite de repreender e corrigir aquele que erra, agindo sempre com o mesmo amor e mansidão que Deus lhe reserva.

O cristão não nutre a inveja, a ira, e o desejo de vingança, mas coloca tudo nas mãos de Deus, oferecendo o perdão mesmo quando imerecido, pois foi assim que Deus o tratou. O cristão, cheio do Espírito Santo, vence a indiferença e o egoísmo que o mundo lhe ensina e ama o próximo como a si mesmo.

Por que o cristão age assim? Ora, porque ele pertence, com tudo o que é e possui, ao Senhor. Por isso ouvimos o refrão ecoando or todo o capítuo 19, “Eu sou o Senhor.” Sim, agimos assim porque pertencemos a Deus. Somos santos porque ele, o Senhor nosso Deus, é santo. E sua palavra nos santifica, afogando diariamente em nosso arrependimento a nossa natureza rebelde, para que sejamos uma vez mais cobertos com a justiça de Cristo que nos envolveu a partir de nosso batismo.

Assim também Deus nos prepara para o auge de nossa santificação: o dia em que, ressurretos dentre os mortos, deixaremos definitivamente a nossa velha natureza impregnada com o pecado para sermos revestidos de glória e bem-aventurança eternas nos novos céus e terra, onde habita justiça.

Santos sereis! Sim, o santo Deus assim o afirma, e sua fidelidade o confirma:

Novo céu e nova terra aguardamos, ó Senhor;
Mui fiel promessa temos desse mundo encantador;
Novo mundo em que teremos só justiça, paz e amor –
Nova vida com Jesus, que por nós morreu na cruz.
Lá na glória cantaremos com os santos teu louvor,
Onde em plena e doce luz viveremos com Jesus. Amém!

Rev. Gerson Luis Flor
Lutheran Church– Canada
ggflor@gmail.com