Göttinger Predigten im Internet
hg. von U. Nembach

Décimo quarto Domingo após Pentecostes – 21 de agosto de 2005
Série Trienal A – Mateus 16.13-20 – Luisivan Vellar Strelow
(Sermões atuais: www.predigten.uni-goettingen.de)


Graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Amém.

Estimados(as) no Senhor:

O Evangelho deste Domingo traz a confissão de Pedro, quando respondeu a Jesus dizendo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v. 16). Em vista desta confissão de Pedro, Jesus faz três declarações, a saber:

1ª - “Não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus”;

2ª - “Simão Barjonas... tu és Pedro... Dar-te-ei as chaves do reino dos céus”;

3ª - “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

E sobre estas três declarações de Jesus, nas quais se mostra a luta entre o poder da morte e o poder da vida, queremos agora meditar.

A - “Não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus”

De um lado, “carne e sangue”, isto é, de acordo com a linguagem bíblica, o ser humano em sua condição de criatura vivente. De outro lado, “meu Pai, que está nos céus”, o Deus vivo e vivificante.

A origem desta linguagem está nas narrativas do Gênesis, da criação do ser humano e do dilúvio. Na primeira, lemos: “Então formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2,7). Na segunda, lemos: “Então disse o SENHOR: O meu Espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os seus dias serão cento e vinte anos” (isto é, abreviados) (Gn 6.3).

No meio, entre a humanidade terrena e mortal e Deus celestial e imortal, está a confissão de Pedro, que diz para Jesus, carne e sangue como ele, “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v. 16).

Tomé, talvez mais do que todos os discípulos, compreendeu que esta confissão é incompatível com todo o conhecimento já elaborado pela razão humana: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (Jo 20.25). Mas, depois, ao ver Jesus, ressuscitado, colocou-se de joelhos e de rosto no chão, e adorou a Jesus dizendo: “Senhor meu e Deus meu” (v. 28).

Paulo diz, na Primeira Carta aos Coríntios, que “os judeus pedem sinais”, isto é, milagres que confirmem que fala em nome de Deus ao pregar o evangelho, e que “os gregos buscam sabedoria”, isto é, querem debater com ele sobre a racionalidade do que prega. Paulo, contudo, afirma, que sua pregação, por mais sinais que realize e por mais argumentos que apresente, jamais poderá ser reduzida a uma mensagem aceitável aos critérios humanos de verdade: “mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (vv. 23-25).

Pedro e os discípulos estavam há quase três anos acompanhando a Jesus, sendo testemunhas tanto do poder como da sabedoria de Jesus. Agora, Jesus começa a prepará-los para a próxima etapa do caminho, para a qual eles também haviam sido escolhidos como testemunhas, o caminho da cruz. Para os acontecimentos que estavam por vir, os conceitos humanos de sabedoria e de poder seriam completamente subvertidos. Era preciso que, para seguir o caminho da cruz, os discípulos fossem fortalecidos no conhecimento e no poder de Deus.

A traição de Judas, a negação de Pedro, o enclausuramento dos discípulos, a tristeza das mulheres, o desânimo dos discípulos de Emaús e a incredulidade de Tomé mostram de maneira contundente o choque que foi para eles a morte de Jesus na cruz. A carne e o sangue de Jesus, a sua mortalidade, foram expostos publicamente.

Nós, a partir dos relatos bíblicos, procuramos imaginar o que foi esta exposição pública da carne e do sangue de Jesus, sua paixão e morte. Achamos difícil assistir a um filme como A Paixão de Cristo, mas apontamos para a fraqueza de Pedro, de Tomé e dos outros discípulos, em sua perplexidade diante de uma seqüência de fatos, como a traição, a prisão, os interrogatórios, os suplícios e, por fim, a crucificação de Jesus. E, como “carne e sangue” que eram, os discípulos foram tomados pelo medo, isto é, pelo medo do que aconteceria a eles próprios.

Os discípulos fugiram e se esconderam porque temeram os açoites, varas, espinhos, cuspes, bofetadas e os pregos da cruz. Temeram os suplícios físicos, o maceramento de sua própria carne e o derramamento de seu próprio sangue. E aqui está o que temos em comum com eles, porque somos mortais, é verdade, mas queremos sempre adiar este confronto com aquela que Paulo, em 1 Co 15.26, chama de o último inimigo a ser destruído por Cristo: a morte. Mas é o inimigo que nos espreita, dia a dia, e que um dia teremos de enfrentar, como dois gladiadores que se olham diretamente nos olhos e que sabem que apenas um sairá da arena vencedor.

É sobre esta revelação que Jesus está falando com os discípulos, a revelação de que enfrentaremos a nossa própria morte como vencedores e não como derrotados, como herdeiros e não como deserdados da vida. Esse conhecimento “carne e sangue” não nos podem dar, mas apenas o Pai que está nos céus.

II. “Simão Barjonas... tu és Pedro... Dar-te-ei as chaves do reino dos céus”

Simão, filho de Jonas, tu és Pedro.

Em torno dessa palavra, a igreja está dividida, desde séculos antes da Reforma Luterana. A questão não está no poder que Jesus reconhece em Pedro a partir do conhecimento que o Pai celestial concedeu a Pedro. Fundamentalmente, o poder é da mesma ordem do conhecimento em que ele se baseia. O conhecimento de Pedro não é terreno ou carnal, isto é, humano, mas celestial e divino, e assim é o poder que Cristo lhe confere, não um poder sobre pessoas e bens deste mundo, mas um poder sobre as portas da vida.

Quando Pedro é retratado com porteiro dos céus, essa imagem, embora folclórica e cenário de inúmeras piadas, tem uma base verdadeira. Pedro, como pregador do evangelho, foi porteiro dos céus, pois abriu as portas da vida para todos os que creram em sua pregação. Quem prega o evangelho abre as portas da vida para aqueles que estão encarcerados na morte.

Pedro e todos os que confessam que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus Vivo, são detentores das chaves da porta da vida. Essa chave não é algum conhecimento secreto, como muito imaginam, nem uma estrutura de poder sobre a terra, como também imaginam muitos outros, mas essa chave é a mensagem da cruz, a promessa da ressurreição e da vida eterna a todos os que recebem a Jesus como o Cristo, o Filho do Deus Vivo.

De Simão, filho de Jonas, um pescador de Cafarnaum, a Pedro, pescador de homens para o reino de Deus e porteiro que abre as portas da salvação pela sua confissão e pregação.

O rei Nabucodonozor tivera um sonho, em que via uma grande estátua com cabeça de ouro, corpo e membros de ferro, prata e bronze, mas pés de barro. Daniel revelou o sentido do sonho: uma sucessão de impérios: o do próprio Nabucodonozor, a cabeça de ouro, os que viriam depois dele, de metais inferiores, mas todos sustentados sobre pés de barro.

Simão, filho de Jonas... filho de Adão, homem feito de barro: “tu és pó, e ao pó tornarás” (Gn 3.19). Pedro, o confessor, homem feito de fé, homem de pedra, homem firmado na pedra, pedra viva edificada sobre Cristo, a pedra angular, como lemos na Primeira Carta de Pedro: “O Senhor é bondoso... Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual” (1 Pe 2.3-5).

De acordo com Jesus, a humanidade se divide em dois grupos de pessoas, os que edificam suas vidas sobre a pedra e os que edificam sobre a areia ou barro. Os que edificam sobre a pedra, edificam para a vida eterna. Os que edificam sobre a areia, edificam para a morte eterna.

De nada adianta, como Nabucodonozor, termos toda a riqueza, sabedoria, poder e glória deste mundo, se os nossos pés são de barro. E de nada adianta tentar misturar ao barro algum metal, porque o material mais fraco é que determina a resistência final do edifício.

A fé em Cristo faz de cada um de nós pedras vivas de um edifício cujo fundamento é Cristo. Como ramos da videira, não temos vida em nós mesmos, mas nossa vida está em Cristo.

Quem firma sua esperança para o confronto com o último inimigo, a morte, em pés de barro, já está derrotado, porque “carne e sangue” não podem, de si mesmos, vencer a morte. Mas quem firma a sua esperança em Cristo, está firmado na pedra, no fundamento inabalável que é Cristo, que venceu o poder da morte e as portas do inferno, que não o puderam conter na morte, porque ele é o Cristo, o Filho do Deus Vivo.

Há cinco anos, fui internado no hospital em que eu servia como capelão. Do pronto socorro, fui para a UTI, de lá para o quarto e, de lá, para casa. Mas eu conhecia bem os corredores do Hospital do Exército, em São Paulo, já os havia percorrido todos. Conhecia também os caminhos que davam para o necrotério, e já havia visto muitos passarem por ele. Mas, ali, na UTI, eu fiz uma grande descoberta, a de que, igual a todos os outros, eu também era mortal (o que antes eu até aceitava como uma hipótese remota). No mesmo ano, tive uma arma colocada na cabeça por um assaltante drogado em uma sinaleira de São Paulo, e descobri que esse mundo é mesmo um lugar perigoso de se viver, mesmo com saúde.

Nós somos todos como Nabucodonozor, uns com mais ouro e prata do que outros em termos de disfarces terrenos de nossa verdadeira constituição, mas todos feitos de barro. Podemos nos cobrir de ouro de todos os tipos e nos julgar seguros diante da vida e da morte, mas em nossos sonhos, isto é, nos momentos de franqueza, nos lembraremos de que nossos pés são de barro.

E não há nada mais difícil na vida do que nos darmos conta de nossa fragilidade diante deste inimigo poderoso que é a morte. Somos pó, e ao pó voltaremos. Podemos até nos endeusar, como Nabucodonozor, que construiu estátuas de ouro para que em todo o império fosse adorado, mas em seus sonhos via que seus pés eram de barro.

Mas também somos como Pedro, pessoas de fé, atraídos pela bondade de Deus para nos deixarmos edificar como pedras vivas sobre o fundamento que é Cristo.

III. “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

No Salmo de hoje, lemos a oração e cântico de Davi, que termina dizendo: “não desampares as obras das tuas mãos” (Sl 138.8). A referência é claramente ao relato da Criação, e nesta oração, é como se Davi dissesse: sim, eu sou barro, mas sou barro moldado por tuas mãos, não me desampares.

A revelação de Deus não nos dá apenas o conhecimento de que somos “carne e sangue” ou barro, esta mistura de água e pó, mas que somos criaturas moldadas pelas mãos do Senhor.

Paulo afirma que os cristãos são nova criação, feitura ou obra das mãos de Deus, renascidos à semelhança de Cristo, como havíamos nascido à semelhança de Adão (Ef 2.10). Diz Paulo: “O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os demais homens terrenos; e, como é o homem celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial.”

Cristo edifica a igreja, isto é, molda a cada um de nós como pedras vivas de um mesmo edifício. Cristo nos molda com suas mãos, molda o celestial a partir do terreno. Cristo é o oleiro, nós somos o barro em suas mãos. Estamos sendo remoldados para a vida eterna. E, nesse processo de remoldura, as ferramentas são a palavra de Deus, o batismo, a santa ceia, a comunhão da igreja, a vida de oração e a cruz.

Somos recriados pela palavra e sacramento, mas remoldados pela cruz e o sofrimento, como cantamos no hino conhecido. Quando pensamos que estamos sendo preparados para a morte, como inimiga poderosa e vitoriosa, Jesus está nos preparando para a vida, para nossa vitória final.

Jesus transforma Simões em Pedros, pescadores humildes em porteiros dos céus, e reduz Nabucodonozores a nada, impérios a ruínas. Esse é o sentido mais profundo da confissão de Pedro, Jesus o Filho do Deus vivo faz viver os simples e faz morrer os soberbos. Jesus edifica a igreja, constrói o reino dos céus, e destrói o poder da morte e as portas do inferno.

Jesus Cristo é a pedra que, no sonho de Nabucodonozor, esmiúça a estátua colossal, isto é, destrói os reinos humanos e estabelece, como pedra fundamental, o reino de Deus.

O Cristo, Filho do Deus Vivo, é Senhor da vida e da morte. Já o era desde a eternidade, mas se fez homem, padeceu, morreu e foi sepultado, como confessamos no Credo, para ser também para cada um de nós a pedra que nos vivifica e o oleiro que nos molda para a vida eterna.

Na aparência, somos ainda de barro, mas trazemos dentro de nós um tesouro indestrutível, a nova vida em Cristo, a vida da fé, que nos faz sermos pedra viva, pedra na igreja em construção. Somos uma pequena pedra, mas que não ficará esquecida, pois tem o seu lugar reservado na Igreja de Cristo, hoje e por toda a eternidade. Somos pedra de um edifício projetado por Deus, não pedras de ruínas dos sonhos humanos.

Por isso, podemos louvar a Deus dizendo que nada poderá nos separar do amor de Deus em Cristo, nem mesmo a morte (Rm 8.31-39). Ou, como no cântico conhecido, “o amor de Deus é mais forte do que a morte”.

Somos barro, é verdade, mas barro nas mãos do Senhor. Amém.

Luisivan Vellar Strelow
Brasília, DF - Brasil
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
lstrelow@hotmail.com

www.ielb.org.br

 

 


 


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